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Na língua dos seres extraordinários: Vzyadoq Moe

Atualizado: 18 de jan.

No final dos anos 1980 uma banda singular surgiu no cenário nacional. Com um "nome impronunciável" – ou nem tanto, se houver algum esforço do leitor – e um "som impressionante"* a banda sorocabana Vzyadoq Moe alcançou patamares que extrapolam os sonhos de muitas bandas de rock das inúmeras cidades interioranas espalhadas pelo Brasil. Na realidade, o sotaque musical da banda é cosmopolita e, talvez, essa tenha sido a fórmula para que Vzyadoq Moe descobrisse que não existem fronteiras para quem exercita o seu talento ao extremo.

Nesta entrevista, Degas (Edgard Steffen Junior), baixista da Vzyadoq Moe conta um pouco sobre esse momento em que Sorocaba abrigou uma das mais destacadas bandas de sua História.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro: Primeiramente, quero agradecer pela disposição em nos atender. Creio que a pergunta inicial adequada seja a que nos leve a entender o contexto do surgimento da Vzyadoq Moe. Então, como era a cena para o rock em Sorocaba na década de 1980?

 

Degas - O Vzyadoq Moe começa em 1986 efetivamente. Ou seja, já no final dos anos 80, mas com muitos ecos desse período fértil da música. Nem vou falar de outros gêneros ou artistas como Laurie Anderson nos EUA ou do Klaus Nomi na Europa, ou do Jazz, entre outros. Vamos falar daquilo que nos influenciou.

O punk ainda estava muito presente como ideologia nessa época, "faça você mesmo" era lei dos espíritos jovens. Você tinha que soar verdadeiro e diferenciado, não imitar, não querer agradar, ao contrário, a gente queria é cutucar com alfinete a bunda e os ouvidos.

Esse é o espírito que agregou a banda. Em entrevista para a Revista Bizz, o Morto (vocal e letras) diz: "Queremos tirar o cetro de Londres", resumindo nossa audácia e vontade.

Já a cena sorocabana na época era muito heavy metal, imperavam Iron Maiden, Metallica, coisas do gênero. Aí olhavam muito a coisa do virtuose, dos solos mirabolantes. Em Sorocaba na época não entendiam muito o Vzyadoq, por isso, nossa estreia e percurso se deu mais em São Paulo, Santos, sul do país, onde a ideologia do "faça você mesmo" era mais potente.

Vale lembrar que Sorocaba nem tinha teatro na época (o do SESI começando super ocupado), não tinha bar de rock, não tinha nada, era um deserto cultural, embora recheado de talentos em todas as áreas: música, teatro, dança, poesia, pintura, etc.         

O engraçado é que na década de 70 eu iniciando a adolescência vi Gilberto Gil e Gal Costa no Clube União Recreativo centro; Novos Baianos e Vinícius&Toquinho no Ginásio de Esportes; Jorge Mautner com Nelson Jacobina num cubículo na Barão de Tatuí (nem lembro onde exatamente). Mas nos 80 nada. Mas na cena brasileira tinha muita banda legal e criativa, com estilo próprio sem imitações e sem vontade de agradar ninguém como: Second Come e Black Future (RJ); Divergência Socialista e Virna Lisi (MG); Killing Chainsaw (PR); Pupilas Dilatadas, Colarinhos Caóticos e DeFalla (RS); Fellini, Akira S, Cólera, Mercenárias e Ratos de Porão (SP); e estou deixando um monte de gente de fora.

 


Degas. Imagem do perfil do Facebook


CCC - Como surgiu a banda Vzyadoq Moe?


Degas - O Vzyadoq Moe começou com o Morto (Fausto Marthe), Acabado (Marcelo Raymundo) e o Peroba (Marcos Stefani) pensando em criar música no espírito que falamos antes. Daí se juntou o Jaksan e eu (Degas), todos super alinhados nos propósitos e nas bandas e músicas que escutávamos na época: Joy Division, The Cure, Siouxie, Bauhaus, Neubauten, Kraftwerk, Cabaret Voltaire e essas coisas bem darks. Coincidentemente também adorávamos o expressionismo do cinema alemão: O Gabinete do Dr. Galigari, Nosferatu, Fantasma, e outros filmes também bem darks. Desse período nasceu e gravamos O Ápice pela Wop Bop de 1988. Antes tínhamos feitos vários shows. O Ápice fez certo barulho e fomos até convidados para tocar em festival em Nova Iorque, mas ninguém tinha grana para peitar a empreitada.

Posteriormente o Jaksan saiu para estudar e entrou o Fernandão (Bálsamo) nas guitarras. Foi o período, de 1989 a 1991, que mais tocamos e viajamos, nos apresentando em vários lugares no interior do estado e nas capitais do sudeste. Tínhamos temporadas cativas no Aeroanta no Bairro de Pinheiros e no Espaço Retrô em Santa Cecília em São Paulo. Gravamos também nessa época a participação nas coletâneas Enquanto Isso e Sanguinho Novo, este em homenagem ao Arnaldo Baptista ex-Mutantes. Também gravamos o Hard Macumba, nosso segundo álbum, com produção do RH Jackson e Akira S.

Todos esses álbuns, O Ápice e o Hard Macumba, e as participações em coletâneas como Sanguinho Novo, Enquanto Isso, No Wave (Alemanha), Colt 45 (Inglaterra), Sorocaba é Rock podem ser encontradas em Lojas e Sebos de música, assim como muito disso está nos streamings.

Demos uma parada por certo tempo e voltamos como um quarteto em 1991: Morto (vocal e letras), Acabado (guitarra), Degas (baixo) e Peroba (bateria). Nessa fase o som era bem pesado, estávamos curtindo coisas tipo Suicidal Tendencies, Helmet, Pixies, etc.

Nessa época gravamos com direção do Gilberto Caserta e Sérgio Martinelli o clipe Rompantes de Fúria, que rolou até na MTV. Desse período temos várias músicas inéditas que vamos lançar ainda, pois nem álbum, nem nos streamings as músicas estão disponíveis. Só alguns amigos tem. Aguardem novidades nessa área com: Rompantes de Fúria, Via Plastex, Catatônica, Doida no Pátio, e mais...

Grande parte da nossa história, fotos e fonogramas, inclusive inéditos, podem ser acessados em nosso site: vzyadoqmoe.com.br, também no Youtube em: youtube.com/@vzyadoqmoe_oficial

 


Jaksan, Marcelo, Fausto, Marcos e Degas. Vzyadoq Moe em foto de 1987.

 


CCC - Como você definiria o estilo musical do Vzyadoq Moe? Isso é possível?

 

Degas - A questão do estilo musical sempre foi um problema para nós, pois nós temos uma linha própria, que mescla antropofagicamente nossas influências musicais e audiovisuais em nossa música. Intencionalmente procurando diferenciar e achar um caminho único. Cada matéria que saia na imprensa falava de um estilo diferente, um verdadeiro multiverso de estilos. Já classificaram a gente como Rock Industrial porque no início, por falta de recursos o Peroba tocava com uma bateria improvisada com latas de tinta e óleo, chapas de aço e caixa de embalar geladeira (que era bem dura). 

Outra classificação que nos deram foi para a música Dark, que era ok, mas não comportava os sambinhas e batuques brasileiros que fazíamos. Muito do nosso público vem daí, temos o maior respeito e foi a nossa origem. Mas penso, rompemos há muito essa barreira.

Prefiro as classificações da Sônia Maya: Um nome impronunciável para um som impressionante. (Revista Bizz – Novembro de 1989). E da Bia Abramo sobre um show nosso com o DeFalla no Sesc Pompéia, onde ela dizia que nossa música era "o canto da sereia", que encanta e leva para as águas profundas.

 

CCC - Em diversas plataformas da internet em que estão depositadas músicas do Vzyadoq Moe há muitos comentários de fãs de vários lugares do Brasil, alguns deles comparando a banda com outras de igual projeção na época como Picassos Falsos, Uns e Outros, Violeta de Outono e por aí vai. A banda tinha noção dessa projeção naquela época? Como era ser uma banda surgida no interior paulista disputando espaço com bandas de capitais ou cidades metropolitanas?

 

Degas - Olha a época ajudava muito, pois o que se buscava para ouvir eram as novidades, o novo. Então, a gente correspondia muito ao cenário. Também tivemos ajuda da Revista Bizz que curtiu o som e publicou muitas matérias. Tudo isso se deve porque o Will Baptista, que era nosso empresário, ia para São Paulo com nossa fita cassete de ensaios para divulgar e promover. Os shows eram paulada, a gente ensaiava legal e mandava ver. Sempre aprontávamos uma cenografia, o Morto se transmutava em diversos personagens em cena. Tivemos até figurinos feito pelos amigos João e Chinha, que tinham loja de roupas na Rua Professor Toledo e fizeram um visual bem diferenciado para nós, meio Kraftwerkiano.

E o som, bom era algo que hoje é mais consumido, mas na época ninguém sabia. Não tinha streaming, nem Youtube, então era impacto mesmo. Assim nos lugares que tocávamos, sempre pediam para voltarmos, por isso tocamos inúmeras vezes no Aeroanta, Espaço Retrô, Der Temple, CCSP, etc.

          A gente era caipira. mas metido à besta (risos).

 

CCC - Algumas lendas circulavam em Sorocaba sobre a banda... É verdade que o nome advém de sorteio aleatório de peças de letras do jogo de Palavras Cruzadas?

 

Degas - A origem do nome vem do Tristan Tzara e sua receita para um poema dadaísta. Outra referência nossa o Dadaísmo. Então, nada mais justo. Não foi exatamente como está escrito, mas tem a pegada:

 

Receita para fazer um poema Dadaísta

 

Pegue um jornal.

Pegue uma tesoura.

Escolha no jornal um artigo com o comprimento que pensa dar ao seu poema.

Recorte o artigo.

Depois, recorte cuidadosamente todas as palavras que formam o artigo e meta-as num saco.

Agite suavemente.

Seguidamente, tire os recortes um por um.

Copie conscienciosamente pela ordem em que saem do saco.

O poema será parecido consigo.

E pronto: será um escritor infinitamente original e duma adorável sensibilidade, embora incompreendido pelo vulgo.


O final da última frase revela bastante como éramos vistos na época. Mas, o sorteio deu Vzyadoq Mof, que é mofado, então trocamos para Moe e ficou como está até hoje.


Carlos Carvalho Cavalheiro e Edgard Steffen Junior (Degas), 2023

 

CCC - E é real a história que a bateria da banda era composta por latas de tinta vazias?

 

Degas - Sim, tinha latas de tinta (tom tom) e óleo (caixa).Tinha também chapas de zinco (pratos e chimbau) e caixas de papelão duro (bumbo). Para passar o som nos shows era pauleira pura, difícil de acertar. Idem para gravar, mas acabou indo para o LP O Ápice, que foi um dos triunfos da produção do José Augusto Lemos, captar a essência sonora de uma bateria tão improvisada, mas com sua sincopas e levadas únicas e marcantes, que a identidade da banda carrega até hoje.

 

CCC - Qual é o maior legado, na sua opinião, da banda Vzyadoq Moe?

 

Degas - Quanto ao legado da banda não sei o que dizer, porque para quem está no meio do olho do furacão fica difícil olhar de fora. Sinto as vibrações dos fãs e amigos. Viajo bastante e vejo que no Brasil inteiro somos respeitados. As coletâneas gringas que saímos também mostram uma abrangência de alcance grande. Mesmo aqueles que não entendem ou escutam o som falam positivamente, o que é um (bom) sinal. Penso que ajudamos a cidade a se projetar e ser vista no cenário nacional, e fico muito grato de ver tanta coisa boa na música da cidade.

Não que nós tenhamos influência direta, mas saber que Sorocaba é super criativa num cenário bastante conservador que a cerca, mostra que as barreiras imensas que encontramos em nosso início, hoje se dissiparam um pouco. Sempre que posso vou aos shows das bandas daqui e saio sempre feliz. Também é legal ver que tem o Wry que rompe barreiras e é uma banda que tem muito mais seguidores e fãs que a gente. Ou seja, a cidade se expande mais e mais...

 

CCC - Depois da banda, quais foram as atividades a que você se dedicou?

 

Degas - Depois que a banda acabou em 1992-1993, eu que toco em banda desde os 13 anos (minha primeira banda chamava Calota Polar no calor sorocabano), fiquei meio perdido. Daí o RH Jackson que tinha produzido o Hard Macumba me convidou para fazer um som com ele, desse encontro surgiu o The Low Key Hackers. Inspirados em Helmet, Ministry, Prodigy, Wire, entre outras, misturando eletrônica com rock. Também a gente fazia animações 3D, fazíamos os próprios instrumentos, montávamos os computadores de palco e estúdio, hackers mesmo. 

Lançamos o álbum Trick or Treat em 1997, relançado pela 89 FM Records em 1998. Tem participações especialíssimas do João Gordo (Ratos do Porão) e do Marquinhos (Pin Ups e Thee Butchers' Orchestra). Demos inúmeros shows, até para milhares de pessoas no Clube União Recreativo em Sorocaba. Fizemos circuito Sesc na época, tocamos no Inferno na Augusta, festa da Brasil 2000 FM (música em 4º lugar), Blem Blem Club, entre outros. Tocamos ao vivo na MTV no Lado B, fizemos duas exposições de arte interativa na Casa das Rosas...

A gente tinha telão sincronizado com os shows e midi lighting, estamos falando de uma banda techo punk indepedente. Criamos e produzimos nós mesmos todo os clipes e animações do telão. No início tudo era feito em computadores Amiga Commodore, era divertido. Fizemos no Sesc Consolação um dos primeiros shows brasileiros conectados a Internet, estamos falando 1996, ela mal tinha começado a existir. Os The Low Key Hackers eram: eu Degas (baixo, programação, vocal), o Jack (guitarra, programação, vocal principal), a Denise Dequinha Camargo (teclados, vocal) e o Teo Ponciano (percussão, gadgets). Mais tarde entrou o Rodrigo, um super batera já falecido de Florianópolis. Tudo está no Bandcamp e nos streamings. Alguns clipes estão no Youtube. Dai dei uma parada sabática total, tenho quatro filhos e tive que trabalhar muito, além de estar meio de saco cheio dessa coisa de banda, que é sempre um casamento longo.

Com a pandemia, pude voltar a tocar, recuperar composições e letras perdidas no tempo. Enfim, minha mulher também é música, baixista e baterista. Então hoje tenho dois trabalhos em andamento, todos no Bandcamp, Youtube e nos streamings: o Deharu (eu, Harumi, Fernandão e Poeta) e um trabalho solo o Zede Eng. Esses trabalhos estão em evolução constante, já fizemos shows no interior de São Paulo e novidades vem por aí.

Acabei de lançar pelo Zede Eng um novo álbum, o quarto, dessa vez em inglês, o Tetralogy. O Zede Eng recupera a pegada do "do it yourself", pois nesse trabalho ninguém, fora eu, põe a mão. Da composição, execução, gravação, mixagem, masterização, clipe, postagens, tudo é o Zede Eng que faz. Com seus problemas e limitações mas fiel a proposta do eu sozinho.

 

CCC - O Vzyadoq Moe ainda retorna? Há algum projeto nesse sentido?

 

Degas - Acho difícil o Vzyadoq Moe voltar. Sim resgatar o material ainda não editado, estamos conversando inclusive em ampliar e melhorar o site, essas coisas. Mas, fomos mal acostumados. Éramos realmente um time, saíamos juntos, íamos aos shows juntos, passávamos os réveillons juntos, ensaiávamos toda semana. Muitas afinidades e amizade. Então hoje meio dispersos, encontrando aqui e ali, às vezes, com todo mundo trabalhando e dando um ralo fica difícil.

Um som denso e profundo como o nosso cobra um preço. É um som físico também, exige entrega, sem isso não funciona. Então, não dá para ficar na fofoca, tem que ir para a música. E esse cenário parece não acontecer.

Voltamos em 2010 no show do Asteroid, que foi legal, mas num momento onde as vidas pessoais estavam em conflito e rearranjos, demos o que podia, mas, certamente ficamos devendo alguma coisa. Esse sentimento não gostaria de ter novamente.


[Entrevista realizada de maneira virtual entre os dias 17 e 18 de janeiro de 2024]


* Nome impronunciável e som impressionante são expressões tiradas de reportagem de Sônia Maia sobre o Vzyadoq Moe


Para curtir o som de Vzyadoq Moe: https://www.youtube.com/watch?v=j58lKqFb298&t=1392s

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